Resquícios
Em determinado dia, ele notou e compreendeu que tudo o que tinha vivido até ali, no segundo instante em que sua consciência gritava o que ele levou tempos buscando, parecia algo que desfecharia todo o cenário anterior e calaria seus rumores e pretextos para o futuro. No entanto, como já sabia também, esse desfecho não estaria concluído até que sua segurança em dizer e afirmar algo que não tangia fosse verdadeira, de dentro para fora e não o contrário. Isso sim seria uma certeza. Acredito que ele queira se tornar limpo, verdadeiro consigo mesmo. Em outras palavras, ele almejava ser o menos hipócrita possível, mesmo sabendo que por mais que neguem e digam que não, as pessoas sempre haverão de ser hipócritas, umas mais e outras menos, mas todas elas com manobras discursivas muitas vezes convincentes e originais. No entanto, a maioria quer esbanjar vaidade ao invés de humildade, soberba e “afins”. O importante é convencer e não contribuir ou ensinar.
Sua conclusão até ali foi tão rápida e suntuosa que decidiu expor seus pensamentos, jogar para fora, libertar o que ele achava válido e esperar uma retórica digna de reflexão, algo que tivesse um sentido contido, que agregasse mais e mais evidências às suas insanidades. Na maioria das vezes, essas ideias tinham valia para ele. Acreditava que elas o levariam à autorrealização. Não carregava dúvida quanto a isso, apenas queria compartilhar o que pensava para poder aguardar o remate de suas eventuais certezas. Em contrapartida, aguçava os seus sentidos ao imaginar um mundo de verdades absolutas, um mundo onde pessoas poderiam se entender apenas através do diálogo e palavras lançadas, se defender sem ter de utilizar arrogância ou qualquer que fosse o contra-ataque depreciativo. Essa vontade era maior que o próprio dono dela. Afinal, quando se utiliza do bom senso para dizer o que pensa, esse pensamento não pode causar estragos a alguém que também o aguarda com bom senso.
À medida que escrevia, conseguia discernir suas metáforas antológicas que só tinham valia ali, de frente para ele, na sua tela de LED de 20 polegadas. Quanto mais prosseguia, imaginava como seria o desfecho daquele que poderia ser uma de suas “obras-primas” ou simplesmente mais uma de suas inofensivas horas perdidas delirando e explanando a sós consigo mesmo. Uma ironia, satisfazer a si próprio esperando um retorno melhor ou, no mínimo, compatível com seus argumentos, sendo que já estava terminado e aprovado pelo mesmo. No final, ele seria a maior autoridade em seus pensamentos e uma opinião divergente talvez não o convenceria naquele momento.
No fim, lançou suas anotações e aguardou pacientemente uma retórica ao menos curiosa de algum interessado.