Sonhando Acordada
Ela encontrava-se deitada em sua cama e, por causa disso, refletia sobre o dia que acabara de terminar. Questionava-se sobre um fato ocorrido algumas horas antes, onde, por falta de dinheiro, acabou não conseguindo o que queria. Era algo que ela julgava importante, e por isso, tratava-o como um problema. Com as mãos sobre o peito e a cabeça sobre o travesseiro, refletia sobre possibilidades de ficar rica, algo que ela considerava importante. Pensava em contas atrasadas e sua preocupação afetava seu sono, resultando em olheiras de várias noites mal dormidas. Sonhava em viajar, fazer compras, conhecer pessoas e ser bem-sucedida na vida; considerava tudo isso essencial em sua ainda curta existência até o momento.
Apesar de não ser formada, trabalhava em um escritório de contabilidade há muitos anos, adquirindo conhecimento no ramo. Sempre disposta e pontual, não faltava um dia sequer ao trabalho. Detestava ter que comparecer a qualquer compromisso que não fosse o que já estava habituada a fazer. Não se consultava com médicos, não almoçava fora e não levava o carro para a revisão há algum tempo. Sua rotina era a mesma há anos, mas ainda apreciava a tarefa de levantar cedo, tomar seu café preto e dirigir até o trabalho, sempre pelo mesmo caminho, que ela já havia comprovado ser o mais econômico e rápido. Os “bons dias” eram sempre direcionados às mesmas pessoas: o radialista da estação que ouvia dentro do veículo, seus colegas de escritório e os clientes que chegavam ao estabelecimento durante a manhã.
O rádio-relógio iluminava o quarto de forma suave e aceitável, auxiliando-a a enxergar um pouco do chão e do seu guarda-roupa, com uma das portas abertas. Faltava coragem para levantar e fechar.
Já era tarde, e seu sono tinha decidido abandoná-la naquela noite. Revirava-se na cama, analisando várias maneiras de conseguir dinheiro extra, afinal, o tempo passava rápido e ela costumava dizer para si mesma: “o mundo gira, e não podemos nos dar ao luxo de ficar parados, esperando o tempo passar.” Essa frase ecoava em seus pensamentos, e ela se cobrava pelo tempo que gastava dormindo, sentindo que poderia estar fazendo algo para ganhar dinheiro. Raciocinava sobre essa filosofia pessoal e percebia que o estresse havia dominado seus dias. Sua autocobrança era evidente e preocupante. Esforçava-se para ser a melhor em tudo o que fazia: no trabalho, nos afazeres domésticos, no trânsito. Essa ânsia competitiva era um dos motivos pelos quais ela estava sozinha, acompanhada apenas pelo rádio-relógio, como em tantas outras noites. A solidão não a incomodava tanto quanto a ideia de não ter dinheiro. Ela julgava que o dinheiro proporcionaria coisas como companhia e felicidade, coisas que poderia obter a qualquer momento se tivesse a tão desejada riqueza. No entanto, admitia também uma certa falta de calor humano.
Finalmente, quando adormecia, sonhava com os pensamentos que a atormentavam, e, como num passe de mágica, ela se via cercada de pessoas com sorrisos forçados e bajuladoras, como se possuísse algo que chamasse a atenção de todos, algo que ela sabia exatamente o que era. Nesse momento, dentro de seu quarto, em um sono profundo, um sorriso genuíno e discreto se formava em seu rosto, acompanhado por um suspiro tranquilo. Ela estava verdadeiramente feliz naquele momento, de olhos fechados, dormindo e sonhando em seu quarto branco e frio, tendo apenas o rádio-relógio como testemunha.
Sem que ela soubesse, seus maiores desejos entravam em seus sonhos e permitiam que ela fosse feliz naquelas últimas horas da madrugada, antes de voltar à realidade, aos “bons-dias” e ao trajeto que fazia para o trabalho.
Entretanto, percebendo a ingenuidade desse pensamento, o rádio relógio fazia questão de despertá-la de forma brusca e estridente, tocando um bip familiar para seus ouvidos, tirando-a do mundo dos sonhos e trazendo-a de volta à realidade. Indisposta e com olheiras tão escuras que a maquiagem não conseguia esconder, ela simplesmente seguia sua rotina: desligava o despertador, trocava o baby-doll por suas roupas e caminhava até o banheiro, onde ligava o chuveiro e permitia-se despertar sob a água quente e reconfortante; escovava os dentes, vestia-se, tomava seu café preto, ligava o carro e mais uma vez seguia seu caminho para o trabalho, abraçando assim mais um dia. Afinal, como ela costumava dizer, “o mundo gira, e não podemos nos dar ao luxo de ficar parados, esperando o tempo passar”.
Planos de Papel
Quando se acha necessário sair, ir embora, se jogar… a única pergunta que se pode fazer nesse momento seria: por que ir embora, qual o motivo?
Por que deixar para trás o que não se pode levar junto conosco!?
A vida corre, e junto dela tudo o que nasceu no mesmo momento que ela própria. Mas digo com certeza que quando ela se vai, leva-se muito mais bagagem do que se juntou durante seu percurso único e singular na linha da vida. Leva-se lembranças, visões únicas, momentos que proporcionamos para alguém, assim como momentos que nos foram remetidos, simples prazeres, simples olhares, agradáveis perfumes e constrangedores silêncios.
Não há negar o quanto é ruim e intangível o gosto do abandono. Por isso, digo que podemos permanecer, podemos prosseguir, mesmo depois da crença e da fé. Imagina ser possível ser intocável, ser preferência de um grupo de pensamentos.
Se jogar não pode ser de fato ter que sair de casa ou se separar daqueles que estão por perto e por enquanto. Se jogar é se libertar de tabus, crenças e modas passageiras; é o modo mais certo de você ser lembrado por quem você realmente é e ainda conseguir ser tolerado por quem realmente gosta de você.
Mantenha seus pensamentos e gostos à mostra, oponha-se, diga não para aqueles que querem te fazer pensar de um determinado modo, pois a sua diferença está no seu jeito particular.
Quando recordamos de pessoas, recordamos pelo fato delas serem particulares, exclusivas e, de alguma maneira, íntimas da gente; então que venha a saudade! Digo que vale a pena termos pessoas com pensamentos semelhantes aos nossos, lembrando sempre que essas pessoas fizeram de alguma forma uma diferença no nosso jeito de pensar, e não pense só em pessoas próximas, amigos íntimos ou colegas de mesas de bar. Lembre-se daqueles que estão presentes no seu dia-a-dia; na casa, na sua rua, no seu trabalho, na sua música preferida composta há anos atrás por alguém que às vezes você não sabe nem sequer o nome; nas leituras que você levou para sempre no seu propósito de vida, lidas em ônibus ou nas páginas de jornais e livros que você gosta e presta atenção, nos aprendizados que, de forma inconsciente, fazem parte desse contexto e já estão presentes na sua rotina.
Por isso, a importância de se manter antenado no que se passa em sua casa, na sua família, na sua ida ao trabalho e em tudo o que te rodeia, tudo o que você vê e ouve.
Por enquanto, os olhos ainda estão abertos, e consegue-se filtrar aquilo que queremos e gostamos.
Planos de papel; meras anotações, repetitivos recibos e extratos de controle capital. Não se preserva um espaço no meio do dia para escrever um pensamento de próprio punho, alegando que não tem tempo para fazer isso. Enquanto aqueles que escrevem e exibem seus rabiscos ainda correm o risco de não serem absorvidos.
Todos que deixam rastros por onde passam, deixam além de simples rastros, conceitos e ideias que outras pessoas podem absorver. Moda passageira, futilidades, interesses em terceiros não levam e não deixam informações de conteúdo, muito menos agradáveis memórias. Por isso, se jogue! Não passe apenas por passar! Busque seus gostos, livros que você nunca leu, músicas significativas e material mais rico em polêmica. Brigue pelo que acha certo, sendo maleável à ignorância alheia.
Não há negar que a partida é triste, ainda mais quando alguém que participa do nosso presente se vai sem antes se despedir. Contudo, podemos reaver seus íntimos se essa deixou algo que a tornasse perpétua dentro das nossas ideias. O simples fato de gravar um pensamento pode gerar a resposta da pergunta que interessa a alguém, sendo que esse alguém pode ficar eternamente grato por quem a respondeu.
Pessoas morreram jovens e ainda estão aqui, enquanto outros que são velhos nunca nem sequer ofereceram a chance de sabermos o que eles têm para oferecer.
2 anos ago Ensaio, Reflexão • Tags: Ensaio, reflexão