Durante Uma Festa

Era entre 01:30hs e 02:00hs da madrugada; aquela festa estava me entediando. Era sempre a mesma coisa: aquelas pessoas forçando sorrisos, se cumprimentando sem ao menos se conhecerem. Realmente, eu preferia estar em casa assistindo a um jornal da noite, ou até mesmo um bom filme, ao invés de estar aqui, nesse lugar. Estava me sentindo meio deslocado. É uma dessas festas de alta classe, gente puxando o saco, e no final das contas, eu tinha que estar ali; eu era um desses puxa sacos, e gostaria muito de alcançar a diretoria da empresa. Não via outro modo, além é claro de trabalhar muito, era necessário frequentar ambientes sociais, se destacar meio a tantos outros com interesses parecidos, para não dizer iguais aos meus.

Ao olhar para vários conhecidos, pessoas familiares, pude perceber a presença de uma mulher linda, sozinha, de cabelos escuros, pele semi-clara, olhar penetrante, um batom quase que da cor da boca, muito atraente. Ela sabia que eu a olhava diretamente, mas não se incomodou; retribuiu o olhar de forma sutil e feminina, ao mesmo tempo em que direcionava seus olhos em minha direção, contornava a boca da taça com um dos dedos e sorria de lado sem mostrar os dentes, em um ritual que durou poucos segundos, até ela começar a caminhar em minha direção levando a taça que aparentemente estava com champanhe até a boca e continuando até chegar ao meu lado, dando a entender que gostaria de conversar.

  • Que tal a gente dar um passeio lá fora e nos conhecermos melhor! – ela disse sem rodeios.

Eu estava meio a uma guerra pessoal dentro de mim, com álcool na cabeça e sensações em conflito. Foi muito rápido e provavelmente um jogo de interesses; afinal, eu não era ninguém na festa, apenas um funcionário que acompanhava seus “amigos de trabalho” em um evento social, a minha presença não era nada de mais. Ela simplesmente sorriu me olhando nos olhos, certa de que eu iria aceitar seu convite; claro que não recusei. Não me deparo com situações iguais a esta todos os dias, eu tinha que acompanhar aquela mulher.

Fomos até a varanda do lugar, que tinha uma bela vista da entrada principal, com aquele portão grande e alto, árvores bem cuidadas contornando a via de acesso até a mansão, um gramado em volta e até uma fonte que ficava em frente à entrada principal, alguns carros de luxo estacionados ao lado e ao redor da via de acesso. O lugar não deixava o bom gosto a desejar, fazia jus às pessoas que ali estavam.

Ela ficou encostada no parapeito com um dos cotovelos, enquanto a outra mão segurava aquela taça de forma delicada e experiente. Eu fui o primeiro a falar, perguntando seu nome, claro.

  • Eu prefiro conhecer as pessoas primeiro, para depois saber se são agradáveis o bastante para saberem meu nome – disse assim que acabei de fazer a pergunta.
  • Pois qual seria o motivo de tanto mistério? – perguntei.
  • Nada com a sua pessoa, apenas me sinto melhor se for assim, tudo bem? – Ela disse isso de forma simpática e com o tom de voz sutil que nem aparentou esnobe, pelo fato de estar ali naquele ambiente. Eu confesso que logo imaginei a filha de algum dono de alguma multinacional, sem sal e sem açúcar, portadora apenas de uma beleza atrativa, nada mais.

Eu fiquei sem muita opção, pois estava em uma situação difícil, sozinho com aquela garota, sem assunto e sem intimidade o suficiente para quebrar o gelo. Olhei para o relógio, 03:00hs, a festa não estava mais tão animada assim, algumas pessoas já haviam ido embora e começava a aparecer os que tinham bebido demais, falando e rindo alto, com as gravatas afrouxadas e os copos sempre cheios.

  • Você não é muito fã de festas assim, estou certa? – perguntou ela.
  • Na verdade não, venho porque preciso, sabe. – a conversa começava a fluir e nós perdemos alguns momentos nos conhecendo, dialogando. Eu não podia entender o interesse dela em mim. Eu não era rico, não tinha influência e nem status. Fiquei em conflito interno, com o pensamento no real motivo daquela linda garota se interessar em minha pessoa. Mas no auge da conversa, analisando a situação, achei melhor aproveitar, deixar acontecer e passar a pensar menos e fazer mais.
  • Hoje a noite está linda, você não acha? – comentei.
  • Tem razão, a noite está perfeita – ela apoiada no parapeito olhando para o alto continuou.
  • Você sempre vem a estas festas? – perguntei.
  • Sim, sempre que posso!
  • Estranho, eu também tenho o costume de estar sempre presente, mas nunca te vi – completei.
  • Você é muito distraído – ela disse me olhando e colocando o cabelo atrás das orelhas – Eu sempre vejo você, cumprimentando pessoas, bebendo seu Martini e olhando no relógio a cada meia hora.
  • Verdade!? – Eu disse totalmente espantado. Logo eu, detalhista e observador, não tinha reparado tamanha beleza me observando, se prestando a me analisar e tomar a liberdade de vir até mim, com interesses que só Deus sabe. Realmente, tinha sido o ponto alto da noite e não ia ser superado fácil.
  • Você sempre esteve preocupado em agradar os outros, em esperar o tempo passar para poder ir embora, que não se prestou a alguns detalhes. – ela me surpreendia a cada palavra proferida, era difícil imaginar aquela mulher, bebendo aquele champanhe e se dando ao capricho de estar me observando.

Ela deixou sua taça em cima do parapeito, me olhou, deu um sorriso, e chegou bem perto. Um pouco mais baixa que eu, mas muito pouco devido ao salto alto. Dessa vez foi até meu ouvido e disse baixinho.

  • Por que você não me beija?

Eu já não sabia o que fazer, estava meio a um bombardeio de situações e pensamentos que por fim não me ajudaram em nada, era surpreendido a todo instante. Ela então direcionou seu olhar para meus lábios e fez o que eu queria ter feito assim que a vi. Me beijou, de forma romântica e sensual, um beijo memorável acompanhado de um perfume suave, uma pele macia, uma verdadeira conquistadora. Eu com as mãos na sua cintura, pude sentir sua respiração mais forte. Assim que decidiu parar, abaixou a cabeça e foi até sua taça de champanhe que estava vazia.

  • Vou buscar mais champanhe, você quer alguma coisa?
  • Não, obrigado. Posso esperar você aqui? – perguntei.

Ela não disse nada, só deu um sorriso, pegou a taça e foi em direção à festa que já não estava tão cheia assim. Enquanto eu fiquei ali parado, pensando no rumo que as coisas tomariam; no final das contas, aquela festa aparentemente chata e sem graça havia virado uma das melhores que já fui.

Olhei no relógio e já havia se passado um bom tempo desde que ela entrou para buscar sua bebida. Olhei para o salão, pouquíssimas pessoas e garçons já não estavam servindo. Procurei no salão com os olhos, não estava lá. Eu devia ter adivinhado, ela foi embora na mesma hora em que disse que buscaria o tal do champanhe.

Para mim, não restava muita opção, não sabia o nome dela, ou qualquer outra coisa que pudesse me levar até ela. Achei melhor ir para casa, assistir o jornal da noite.

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